Deitando na cama, eu me cobria com as cartas que eu não
escrevi. Saudades pra uns, lembranças. De parabéns a meus pêsames em histórias
minhas que eu não contei. Tem uma quantidade enorme de coisa que a gente tira
do lado de dentro só no quarto. E eu, espalhado em casas, fui amontoando junto
da poeira as coisas que eu não disse e só me disse. Por pouco tempo, olhando
pelas frestas da janela de dia, pelas frestas dos olhos de noite, entreabertos
e fixos no copo de água do meu lado. Alguma coisa de fora sempre reflete no
lado de dentro. E do quarto também. Eu queria ter escrito mais bilhetinhos. Me bate
uma saudade adiantada de coisas que eu penso que não perdi. Um recado pra minha
mãe. Mais um. Um pro meu avô, que eu nunca escrevi. Um pro tanto de gente que
eu deixei pra trás, um pouco e de vez. E um ano todo de recados que eu tinha
pra você. Pedidos e vontades e saudades. Um pouco mais pra cá, pra gente estar
mais perto. Fosse do outro lado da cama, do outro lado da divisa. As vezes eu
deito e arrasto setecentos quilômetros pelo meu colchão. E eu acordo com o
corpo doendo da viagem. Era pra te dizer pra vir e de vez. Pra vir um pouco
mais e o tempo todo. Era pra eu ter feito alguma coisa mais definitiva pra
entender esse meu lado de cá que eu fiz tão sozinho. E pedindo a companhia de
tantos outros eu andei, e troquei, viajei, e chamei pra esse buraco da minha
cama. De repente, ninguém preenche meus sonhos e as noites ficam um pouco mais
paradas do que eu esperava. As três da manhã, a cigarra pra lá da janela para e
eu respiro aliviado. No fundo sentindo falta. Do barulho constante como se
fosse a sua respiração do meu lado. Eu vejo os casais de mãos dadas por ai e me
ressinto da sua mão tão longe. Eu não tenho outro jeito de dizer. E quando eu tô
por perto eu me afasto um pouco. De medo de depois não saber mais ir embora. Sem
te arrastar pra dentro, eu me empurro um pouco pra longe. E quando você se
derrama todo eu acho lindo e observo como visita na casa dos outros. E os
outros são você. Com todas as boas maneiras. Com todas as minhas manias. De longe
e com calma. Com cuidado asséptico e impessoal, eu me apaixono pela pessoa que
eu queria ser. Em mim. Com você. De certas formas, você é o meu melhor lado. Fora
de mim. E ai eu me sinto falta. E como você me entende, eu deixo esse silêncio
te falar que pouco a pouco eu sou menos assim. Pouco a pouco eu me sinto mais
no lugar. E a sua distância é parte fundamental disso. Então eu empurro mais
umas coisas goela a baixo, pra digerirem na minha gastrite. E te escondo a
história velha e insuperada de que um dia ou outro eu te quero grudado. E que
todos os outros dias eu te quero perto o suficiente pra eu saber onde você
está. Tem partes de mim que não lidam com alguém indo embora. E tem partes de
mim que não sabem ficar. Então eu não te digo. Porque a maior parte disso sou
eu. E se você fosse diferente eu só me assustaria mais comigo mesmo. Mas tem
uma história. Na ponta da língua. Que eu engulo pra te beijar. A maior parte do
tempo, eu só quero te gritar fica. Não sai mais daqui. Mas sou eu fugindo. Então
eu deito na cama e me cubro com as cartas que eu não escrevi. Morrendo de medo
de encontrar sua letra entre as cartas que não me escreveram.
Henrique Rochelle