3 de fevereiro de 2013

As Cartas Que Não Me Escreveram


Deitando na cama, eu me cobria com as cartas que eu não escrevi. Saudades pra uns, lembranças. De parabéns a meus pêsames em histórias minhas que eu não contei. Tem uma quantidade enorme de coisa que a gente tira do lado de dentro só no quarto. E eu, espalhado em casas, fui amontoando junto da poeira as coisas que eu não disse e só me disse. Por pouco tempo, olhando pelas frestas da janela de dia, pelas frestas dos olhos de noite, entreabertos e fixos no copo de água do meu lado. Alguma coisa de fora sempre reflete no lado de dentro. E do quarto também. Eu queria ter escrito mais bilhetinhos. Me bate uma saudade adiantada de coisas que eu penso que não perdi. Um recado pra minha mãe. Mais um. Um pro meu avô, que eu nunca escrevi. Um pro tanto de gente que eu deixei pra trás, um pouco e de vez. E um ano todo de recados que eu tinha pra você. Pedidos e vontades e saudades. Um pouco mais pra cá, pra gente estar mais perto. Fosse do outro lado da cama, do outro lado da divisa. As vezes eu deito e arrasto setecentos quilômetros pelo meu colchão. E eu acordo com o corpo doendo da viagem. Era pra te dizer pra vir e de vez. Pra vir um pouco mais e o tempo todo. Era pra eu ter feito alguma coisa mais definitiva pra entender esse meu lado de cá que eu fiz tão sozinho. E pedindo a companhia de tantos outros eu andei, e troquei, viajei, e chamei pra esse buraco da minha cama. De repente, ninguém preenche meus sonhos e as noites ficam um pouco mais paradas do que eu esperava. As três da manhã, a cigarra pra lá da janela para e eu respiro aliviado. No fundo sentindo falta. Do barulho constante como se fosse a sua respiração do meu lado. Eu vejo os casais de mãos dadas por ai e me ressinto da sua mão tão longe. Eu não tenho outro jeito de dizer. E quando eu tô por perto eu me afasto um pouco. De medo de depois não saber mais ir embora. Sem te arrastar pra dentro, eu me empurro um pouco pra longe. E quando você se derrama todo eu acho lindo e observo como visita na casa dos outros. E os outros são você. Com todas as boas maneiras. Com todas as minhas manias. De longe e com calma. Com cuidado asséptico e impessoal, eu me apaixono pela pessoa que eu queria ser. Em mim. Com você. De certas formas, você é o meu melhor lado. Fora de mim. E ai eu me sinto falta. E como você me entende, eu deixo esse silêncio te falar que pouco a pouco eu sou menos assim. Pouco a pouco eu me sinto mais no lugar. E a sua distância é parte fundamental disso. Então eu empurro mais umas coisas goela a baixo, pra digerirem na minha gastrite. E te escondo a história velha e insuperada de que um dia ou outro eu te quero grudado. E que todos os outros dias eu te quero perto o suficiente pra eu saber onde você está. Tem partes de mim que não lidam com alguém indo embora. E tem partes de mim que não sabem ficar. Então eu não te digo. Porque a maior parte disso sou eu. E se você fosse diferente eu só me assustaria mais comigo mesmo. Mas tem uma história. Na ponta da língua. Que eu engulo pra te beijar. A maior parte do tempo, eu só quero te gritar fica. Não sai mais daqui. Mas sou eu fugindo. Então eu deito na cama e me cubro com as cartas que eu não escrevi. Morrendo de medo de encontrar sua letra entre as cartas que não me escreveram.



Henrique Rochelle

2 de abril de 2012

Céu da Boca

Saudades
do céu da boca
e das coisas
que eu não dizia
pra não repetir
e você sabia
que essas horas todas acordado
essas camas todas deitado
eram só o tempo passando
e contando os dias
só as pessoas dançando
e eu esperando a hora
de voltar pra perto
pra te dizer que eu tenho saudades
do céu da boca
e digo menos
e você diz menos
e o dia passa inteiro
e eu te espero escrever
pra me dizer que eu já sei
mas que sente saudades
do céu da boca
assim um pouco mais perto
demais
que a gente não tinha
mas eu não contava
e todo mundo me olhava
como se a cada vez que eu deito
eu te tivesse do lado
embaixo
e em cima
de mim
contornando
por fora
e por dentro
no céu da boca
guardado pra mais tarde
um gosto que não vai embora
e que eu queria assim
na ponta da língua
quando eu devia estar dormindo
e preferia ficar acordado
com você pendurado
debruçado
caindo
do céu da boca
pra garganta
mordendo os dedos
e investigando a hora
pra colocar pra dentro
um pouco da vontade
me despertando
me tirando o sono
me chamando
pra eu saber que você não foi
não vai
e continua aqui
perdido na minha noite
entre as coisas que eu
não dizia
pra não
repetir
e você sabia
o tempo todo
e eu também
que eram saudades
do céu
da sua boca.






Henrique Rochelle

20 de janeiro de 2012

As coisas que eu não sei jogar fora

E de repente veio de novo a vontade de chorar. Sem sentido, sem motivo. Mas olhando pra cama, parecia que eu tinha guardado o coração numa caixa, junto com todas as coisinhas quebradas da prateleira e as coisas que eu só te contava. Eu sabia seu nome, eu conhecia sua boca, você era de verdade, eu conhecia seu abraço, eu sabia como era o seu sorriso, eu sabia onde você estava, e não era aqui. E de repente veio de novo a vontade. Eu tinha um lado um pouco mais frio, um pouco mais sozinho, faltava um pouco mais de companhia e eu queria que fosse você. Reclamava dos sons do final do dia e da chuva. Da falta de violinos pela rua. Aquela sensação estranha de que a gente precisa dizer..., mas já disse tudo. Aquela coisa sem sentido de ficar sozinho e te ouvindo em silêncio, como se o seu silêncio me deixasse mais acompanhado. Pensei em gravar minha voz. Gravar meu rosto. Escrever nossos nomes numa árvore. Mas eu não tinha idade, eu não tinha coragem, e eu já tinha feito quase tudo. Fiquei procurando o que era novo. E de repente veio de novo a vontade. Não faltava. As coisas iam se deitando em cima de mim, como os nove cobertores do inverno retrasado. E eu já não sabia em quem eu tinha pensado. Eu relia meus poemas e não sabia pra quem eram. Eu lembrava as minhas noites e não sabia de quem foram. Eu não sabia onde eu estava e de repente eu nem lembrava meu nome. Pela primeira vez as coisas davam errado. Eu fiquei sem dormir. E eu quis te dizer que te quero. Morrendo de medo. Da pressa. De, sei la... reparar que eu envelheci, perdi a graça, perdi a mágica e já não era tão doce. Eu não ganho mais torrões de açúcar. Eu não leio mais. E todas as histórias que eu quero não estão na minha estante. Eu queria te olhar nos olhos e te perguntar o que aconteceu comigo. Mas você acabou de me encontrar. Assim. Perdido no meio de um caminho que eu já não sabia pra onde ia. E o tempo todo eu queria te colocar em algum lugar na minha frente. E de repente veio de novo a vontade de chorar. As minhas noites ficaram repetitivas. Os meus textos continuaram repetitivos. E eu ficava contando o tempo pra saber quando não seria demais. Quando eu poderia te chamar de novo. Eu me agarrava, como se fosse certeza. Como se fosse a minha história. Como se eu estivesse prestes a alguma coisa grande. Impactante. E talvez não repetitiva. Mas de repente veio de novo a vontade de chorar.



Henrique Rochelle

1 de outubro de 2011

Printemps

Assim era mais difícil dormir
e não pelo sono,
pela companhia
respiração de longe do meu lado
crescendo pra cima de mim
infestação da temporada
da temperatura
e eu nem reparava
arfando e imaginando
perdendo as mãos e a cabeça
nesse idéia que
agora sim
fazia sentido.
Eu sabia
era primavera.
E eu te escrevi a caneta
porque eu não tinha a intenção
de apagar
seu nome escondido no título.
Só uma sugestão,
e te deixar escrito
fica comigo
sem tempo
só fica
porque o sol já voltava pra janela
e eu não sabia o que fazer
com essa vontade
de continuar
nesse lugar que ainda
não é seu lado
mas é quase
é um pouco mais
e me deixa perto, querendo
me deixa acordado
vendo a estação passar,
o vento na minha cama
e você ficando.
Pro final do dia,
pra madrugada toda.
E sem tempo
eu te dizia
só fica.
Que eu quero.




Henrique Rochelle

28 de setembro de 2011

Verdades questionáveis
e outras coisas que me faziam terminar
a noite mais cedo
escrevendo mais perguntas
pra levar pra baixo da coberta
e uma letra que eu nem reconhecia
lápis novo caderno velho
e aquela coleção
grande demais de histórias que não
deram certo.


Sem seu nome e sem dedicatória
te escondi atrás de uns versos
e era pra ver se você gostava
de mim
assim sem sentido sem título
riscando as minhas vírgulas
pra não ter pausa até você
e ocupando minha mão
pra eu não te ligar
e ouvir de novo.


Eu olhava os livros esperando
alguma coisa fazia sentido
e você não sabia de nada daqui
desse meu espaço
dessa cama vazia
e eu me perdendo nas almofadas
que já não estavam comigo.


Eu falava que faria diferente
mas eu não sou outro
e nem você
eu te escrevi pra dizer que eu ainda
lembro eu ainda sei
a voz sem querer falar
e ocupando as minhas noites
e a respiração que eu ouvi seis
ou cem vezes
era o tempo o sono
e a falta dele.






Henrique Rochelle

6 de agosto de 2011

Escuro

Eu fiquei
vendo a noite passar
pela janela
acabando com as garrafas
com os copos
e esperando ser dia
esperando ter pra onde olhar
e o que procurar
arrependido
de uma lista grande demais
de passados
de tentativas
de sorrisos que eu deixei pra trás.


Parece que a certas horas
todo mundo muda de idéia
e eu queria um outro caminho
uma outra noite
uma outra coberta
algum lugar que fosse mais
e que me prendesse melhor
até o sol aparecer
e eu não ter mais medo
de ficar assim sozinho
assim de lado
assim deixado
e eu queria
queria queria
queria
que as horas de hoje
fossem todas diferentes
ai eu saberia onde estar
e o que fazer
pra olhar pro lado
antes de fechar os olhos
e não doer
e me esquentar
e me fazer companhia
pras partes escuras do dia.




Henrique Rochelle

Regrets

a certas horas da noite a gente se arrepende...

27 de julho de 2011

Você e Outros Minguantes: Mais Palavras Pra Te Mandar Embora

             Entrando em casa, e nem era a minha casa, só um pouco mais perto, depois de fechar o portão eu olhei pra cima. E assim, sumindo no céu gelado e nublado, afinando e se escondendo, me perseguia a lua minguando, e você, apagando meio por trás dela. Eu subi as escadas achando que era um lugar comum, mas já no quarto eu perdia as certezas. Sem graça, e sem vontade de te escrever. Eu fiquei ali parado esperando que o tempo passasse e eu não dormisse mais. O sono resolve algumas coisas e a falta dele outras. Da janela eu não te achava, e eu queria lembrar dos calendários lunares de quando eu era criança, pra saber quantos dias eu ainda tinha antes de você desaparecer inteiro. Se bem que ultimamente eu tenho levado mais tempo, mais meses, mais noites e mais sonhos. Mas eu não sonho com você. Você não tem rosto, não tem voz, não tem mão, não tem jeito. E eu não escrevo qual o tipo de coisa que pra mim é desse jeito seu, porque apesar de poético seria assustador demais. Engraçado que é desse jeito que muita coisa funciona pra mim. Poético, mas assustador demais. Você reclama de eu colocar precipícios no caminho, mas de que adianta sofrer pelos pulos se você não dá nem passos? Comecei a te escrever uma carta de despedida. Não tinha pra onde mandar. Não tinha o que te falar. Fechei um envelope com um pedaço de papel com duas linhas “até quando eu preciso te escrever mais palavras pra te mandar embora?” e joguei fora. Eu teria mostrado pra lua, mas ela não estava na minha janela. Eu teria mostrado pra você, mas você não estava na minha cama. E eu me preocupava tanto e tanto tempo em mandar embora coisas que eu não tinha. Ficou na minha boca aquele gosto de quando a gente tá crescendo e já não é mais criança o suficiente pra entrar no brinquedo, mas não consegue não ficar ali por perto. Como se a qualquer hora fosse sobrar um espacinho. Sei lá. Alguém desvia o olho e eu pulo pra dentro da piscina de bolinhas. Depois invento uma boa desculpa. Todo mundo concorda, mas eu não deixo de ver no canto da boca deles aquele quase sorriso de “eu sei que você estava morrendo de vontade de fazer isso” que sempre me envergonhou. E eu nunca tinha pensado que eles só sabiam porque eles também morriam de vontade e só tinham perdido as boas desculpas. E nós, perdemos o que? Talvez fossem só ciclos. Indo e vindo. Como as marés. A lua minguava e te afastava de mim. Sem saber se tinha volta, sem saber se queria de outro jeito, eu fiquei quietinho, até conseguir escrever mais um pouco pra você e outros minguantes.



Henrique Rochelle

18 de julho de 2011

Repete

Assim eu sentia meu nome um pouco mais perdido
no vazio das páginas em baixo dos versos
repetido de novo e de novo no final de todas as linhas
pra me lembrar no final do dia
que algumas histórias vão e voltam e vão e voltam e vão e voltam
de novo e de novo pra eu escrever com a mesma letra
acabar e assinar embaixo meu mesmo nome
que às vezes já me cansava a vista
porque não pode ser verdade esse tempo todo
e vezes demais com o pé preso na mesma história
que cinco anos atrás eu escrevia do meu amor por ficção
sem saber que ela me perseguiria e tiraria o sono
e agora eu espero pra ver se você só sai da minha janela
se para de aparecer na cabeceira da minha cama
pra me falar que faz sentido e tem vontade e não agüenta
e te descontrola te tira a razão te deixa acordado
te leva pro hospital te dá pesadelos te faz gozar
te deixa confuso te provoca te faz gritar te faz se adiantar
te faz se declarar e querer mais ainda mais e sempre mais
mas que não pode que não tem jeito e que não consegue
seu pai tira seu telefone seu apartamento sua liberdade
sua mãe morreu fez escândalo se separou foi espancada
seu tio te dá conselhos ruins só sua avó te aceita
sua família me enlouquece você não está pronto precisa de tempo
precisa de espaço precisa de cuidado precisa de carinho
e quer o meu então me escreve não dá conta cria perfil
cria vida cria história cria amigos cria irmã vira mulher
confessa pede desculpas promete se afasta mas volta em quinze dias
pra me repetir de novo e de novo e de novo e de novo
essas histórias chatas que eu já não quero
e que vão aos poucos me tirando a vontade toda de procurar
e eu acabo saindo só pra me ocupar com três oito doze
e me faz bem e me afasta dessa memória idiota
de você e seus doze rostos me enganando sem parar
procurando esse seu estúpido não sei o que
que não pode seguir e ir atormentar o próximo que seja
porque a minha vez já passou e você não percebeu
tanto tempo depois que eu só não quero só não ligo
só não me importo com essa sua solidão mentirosa
que precisa dos meus dias das minhas frases da minha vida
pra se satisfazer e continuar me perseguindo
e só adiantaria se o seu jogo fosse só me irritar
porque de resto eu já aprendi e eu já parei de jogar
mas você volta e de novo e de novo pra buscar mais
o que eu nem sei porque eu não tenho nada pra você
eu tenho a minha história e todos os meus olhares
e os sonhos e a vontade e a espera e a procura
e o meu lado
pra quem possa estar comigo e dançar comigo e sorrir comigo
e falar comigo e viver comigo e descobrir
você não vê que têm histórias que eu não quero repetir
e não dá pra você ser uma delas?






Henrique Rochelle

6 de julho de 2011

Pênsil

Na volta eu parei no rio
subi a ponte, olhei a água passando
e eu contava o tempo
pra pensar se você volta
se eu volto
e se ali tinha um lugar pra mim
no meio de todas as suas lembranças
se ali tinha um espaço
quarenta centímetros mais perto
do que você do meu lado.


Deixa a minha mão ali
e eu encontro um lugar confortável
onde eu caiba
assim junto
por cima de mais coisas
do que você queria lembrar
mas eu podia ser uma memória nova
se você ficasse
um pouco mais perto
e esperasse pra ver
que talvez desse lado
a gente fizesse um pouco mais de sentido
e eu achava
que eu podia te encontrar
aqui
então te convido de novo
pra amanhã e as outras noites
pra saber se com o tempo eu te acho
que por aqui a gente se resolve
um pouco mais pra cá
pra eu não ter que te chamar
sem parar
pra vir pra mais perto
pra vir pro meu lado
pra eu não ter que me despedir
e ir pro rio
subir a ponte
e olhar a água toda passando
pra eu não me perguntar
se você voltava
e só esperar
que o dia fosse outro
e que as noites fossem outras
uns quarenta centímetros mais perto
mais grudado
pra saber se fazia sentido
sei la
descobrir assim
quase por acaso de novo
o meu lugar
num lugar diferente dessa ponte
porque a água corre
sem parar
mas alguma coisa
fica.


Fica você também.




Henrique Rochelle

31 de maio de 2011

Claros

Olhos assim tão claros não deviam ser deixados soltos. Perigoso para o trânsito. Não dá pra sentar e esperar o tempo passar quando tudo desvia os faróis. Ou era só meu olhar? E eu olhava até perder a ordem. Sempre foi esse meu jeito, como se engolisse pelos olhos. Porque o céu estava aberto e era errado, quase ilegal, você estar assim, com os olhos tão claros olhando pra rua e comentando. Do dia, das pessoas e das horas. E eu perdido pro lado de dentro, parado me perguntando ‘como eu chego mais perto?’ e sem saber, me cutucava a espera. Eu tinha a pressa estranha de chegar, onde quer que fosse. Mas já íamos embora, e eu tinha tantas perguntas batendo, piscando. Lâmpadas prestes a queimar e eu pensando na suas, apagadas em algum quarto. De onde você veio? Eu continuava com a vontade estranha de pedir que me contasse a sua história. Mas era só isso. O tempo passando, e meu medo de ir embora. O tempo todo, tudo mudando, como os faróis passando pela avenida e as pessoas pelos canteiros. Era de noite. Olhos assim tão claros não deviam ser deixados soltos. Foi difícil dormir.




Henrique Rochelle

20 de abril de 2011

História

Se sentia no lugar, porque sempre tinha alguém pra dizer que era estranho. Encarando daquele jeito e procurando respostas nos olhos dos outros. Sempre a três segundos de parar um completo desconhecido pra perguntar ‘qual é a sua história?’ e sempre esperando que a resposta fosse ‘sei lá... eu só te olhei e... fez sentido’ . mas ainda não fazia. Silencio também é uma forma de resposta. Ultimamente esperava mais. Sei lá. Tinha desencantado. Desistido, talvez. E por isso só esperava, esperava, pra ver quem vinha, quem aparecia. E todos pareciam ir embora. Até Ele ia viajar e como ficava? Esperando. Que o tempo não fosse muito, não fosse longo e ele não se sentisse tão sozinho que precisasse parar desconhecidos na rua e perguntar ‘qual é a sua história?’, esperando que dessa vez não tivesse hesitação. Que dessa vez, sei lá... só fizesse sentido. Menos pesadelos, menos medo, menos acordado e talvez mais dormindo juntos. Mas era sozinho. Um tipo sozinho daqueles que olha nos olhos dos outros e espera. Me diz qual é a sua história. E a própria história interessava pouco, quase nada. Continuava aos poucos deixando de ser e procurando nos olhos dos outros histórias que sei lá... só fizessem sentido. Simples assim. Não me deixa, não me deixa, não me deixa. Acordava no meio da noite murmurando. Perdia a hora. Perdia a razão. Perdia a vontade. Procurava nos olhos dos outros, perguntando, mas só pra si mesmo, ‘qual é a sua história?’. Olhos errados.



Henrique Rochelle

15 de março de 2011

De Brincadeira

Saiu correndo pra contar pra mãe. Quebrara outro. O primeiro esse ano. Não que o ano fosse longo, já, mas ainda sim. Nunca saberia exatamente se era ele crescendo ou os brinquedos que eram menos resistentes. Lembrava de tomar sorvete, e da primeira vez que não deixou cair nenhuma gota. O orgulho bobo de, de repente, se sentir grande, adulto e capaz. Sem saber que eram só suas mãos, sua boca. Articulações. Como bebês aprendendo a falar o R. Por muito tempo se orgulhou de não derrubar seu sorvete e de não quebrar copos. Agora que achava que teria algo a mais, se decepcionou. Ficou quase um ano sem quebrar nenhum brinquedo, mas agora olhava pra cama e via o homenzinho todo despedaçado. E partes faltando. Teriam corrido pra baixo do armário? Alguém acharia quando varressem. Precisava contar para a mãe. Sempre informava de coisas quebradas. Era um pacto. Fazia a quebra um pouco menos pior. Menos machucada. Esperou um pouco. Sorriu. Não que estivesse feliz, mas sabia lidar com a situação. Era reconfortante saber o que fazer ao destruir seu homenzinho. Esperou só um pouco, verificando o protocolo. Pensando nas outras vezes, no que era diferente nessa e no que teria que fazer. Ainda em dúvida, deixou tudo ali e saiu do quarto pra avisar a mãe. Ela não estava em casa. Ele estava sozinho e nem se lembrava de ter essa liberdade. Se sentiu grande, adulto e capaz, por um tempo. Depois só sozinho. E sem saber o que fazer se não fosse contar pra alguém, voltou pra cama pra analisar o estrago. Ele era grande. Adulto e capaz. Consertar? Não era seu forte. Tinha essa mania horrível de forçar a brincadeira. Aventuras demais. Seu homenzinho nunca era herói o bastante. Sabia voar? Que voasse mais rápido! Enfrentasse as distâncias enormes e chegasse ao seu destino para salvar o seu amor, a cidade e o universo. Se desdobrasse. Se esticasse e envolvesse e protegesse por todos os lados, contra todas as coisas, o tempo todo. De repente, um clique. E ele arrebentou. Virou o rosto e nem viu as partes do homenzinho voando e se esparramando pela cama e pelo quarto. Olhou melhor o estrago. Não parecia tão arrebentado. Os outros nunca parecem tão machucados. Sentou. Respirou fundo. Pegou um bracinho e olhou a parte do encaixe. Examinou. Tentou. Empurrou, apertou, torceu. Juntou. Uma a uma, as partes. Achou pedaços no travesseiro, embaixo da cama, embaixo do armário. E foi juntando. Montando. Mas faltava algo. Sempre faltava alguma coisa que não estava naquele quarto. Quando o homenzinho estourou, alguma coisa escapou. Por baixo da porta, descendo a escada, correndo pela garagem, através do portão, pro meio da rua e pegando carona pra longe. Ai já não se sentia. Grande, adulto, capaz. Mas como já tinham decidido que ele seria (grande, adulto, capaz) nunca ganhou outro brinquedo. Teria que aprender outras brincadeiras. Queria chorar pra mãe e pedir outro. Só mais uma chance de não ser grande, nem adulto, nem capaz, e ter gosto por errar e ir contar. Mas ela não voltou mais. Ele ficou com a lembrança. Dela. Do seu homenzinho também. E sempre que tomava sorvete, dava risada sozinho por não derrubar. Grande. Adulto e capaz. Tentou outras vezes consertar seu brinquedo, mas já era adulto o bastante para saber que uma parte dele tinha ido embora. E nem sabia que parte era aquela. E era ela que completava. Fazia seu homenzinho perfeito e inteiro. Prendia o resto e deixava ele se mover sem soltar todo, sem desmanchar. Nunca mais se sentiu grande além de quando tomava sorvete. E sempre olhava pelos cantos. Procurando o não-sei-o-que que faria seu brinquedo inteiro de novo.





Henrique Rochelle