27 de julho de 2011

Você e Outros Minguantes: Mais Palavras Pra Te Mandar Embora

             Entrando em casa, e nem era a minha casa, só um pouco mais perto, depois de fechar o portão eu olhei pra cima. E assim, sumindo no céu gelado e nublado, afinando e se escondendo, me perseguia a lua minguando, e você, apagando meio por trás dela. Eu subi as escadas achando que era um lugar comum, mas já no quarto eu perdia as certezas. Sem graça, e sem vontade de te escrever. Eu fiquei ali parado esperando que o tempo passasse e eu não dormisse mais. O sono resolve algumas coisas e a falta dele outras. Da janela eu não te achava, e eu queria lembrar dos calendários lunares de quando eu era criança, pra saber quantos dias eu ainda tinha antes de você desaparecer inteiro. Se bem que ultimamente eu tenho levado mais tempo, mais meses, mais noites e mais sonhos. Mas eu não sonho com você. Você não tem rosto, não tem voz, não tem mão, não tem jeito. E eu não escrevo qual o tipo de coisa que pra mim é desse jeito seu, porque apesar de poético seria assustador demais. Engraçado que é desse jeito que muita coisa funciona pra mim. Poético, mas assustador demais. Você reclama de eu colocar precipícios no caminho, mas de que adianta sofrer pelos pulos se você não dá nem passos? Comecei a te escrever uma carta de despedida. Não tinha pra onde mandar. Não tinha o que te falar. Fechei um envelope com um pedaço de papel com duas linhas “até quando eu preciso te escrever mais palavras pra te mandar embora?” e joguei fora. Eu teria mostrado pra lua, mas ela não estava na minha janela. Eu teria mostrado pra você, mas você não estava na minha cama. E eu me preocupava tanto e tanto tempo em mandar embora coisas que eu não tinha. Ficou na minha boca aquele gosto de quando a gente tá crescendo e já não é mais criança o suficiente pra entrar no brinquedo, mas não consegue não ficar ali por perto. Como se a qualquer hora fosse sobrar um espacinho. Sei lá. Alguém desvia o olho e eu pulo pra dentro da piscina de bolinhas. Depois invento uma boa desculpa. Todo mundo concorda, mas eu não deixo de ver no canto da boca deles aquele quase sorriso de “eu sei que você estava morrendo de vontade de fazer isso” que sempre me envergonhou. E eu nunca tinha pensado que eles só sabiam porque eles também morriam de vontade e só tinham perdido as boas desculpas. E nós, perdemos o que? Talvez fossem só ciclos. Indo e vindo. Como as marés. A lua minguava e te afastava de mim. Sem saber se tinha volta, sem saber se queria de outro jeito, eu fiquei quietinho, até conseguir escrever mais um pouco pra você e outros minguantes.



Henrique Rochelle

18 de julho de 2011

Repete

Assim eu sentia meu nome um pouco mais perdido
no vazio das páginas em baixo dos versos
repetido de novo e de novo no final de todas as linhas
pra me lembrar no final do dia
que algumas histórias vão e voltam e vão e voltam e vão e voltam
de novo e de novo pra eu escrever com a mesma letra
acabar e assinar embaixo meu mesmo nome
que às vezes já me cansava a vista
porque não pode ser verdade esse tempo todo
e vezes demais com o pé preso na mesma história
que cinco anos atrás eu escrevia do meu amor por ficção
sem saber que ela me perseguiria e tiraria o sono
e agora eu espero pra ver se você só sai da minha janela
se para de aparecer na cabeceira da minha cama
pra me falar que faz sentido e tem vontade e não agüenta
e te descontrola te tira a razão te deixa acordado
te leva pro hospital te dá pesadelos te faz gozar
te deixa confuso te provoca te faz gritar te faz se adiantar
te faz se declarar e querer mais ainda mais e sempre mais
mas que não pode que não tem jeito e que não consegue
seu pai tira seu telefone seu apartamento sua liberdade
sua mãe morreu fez escândalo se separou foi espancada
seu tio te dá conselhos ruins só sua avó te aceita
sua família me enlouquece você não está pronto precisa de tempo
precisa de espaço precisa de cuidado precisa de carinho
e quer o meu então me escreve não dá conta cria perfil
cria vida cria história cria amigos cria irmã vira mulher
confessa pede desculpas promete se afasta mas volta em quinze dias
pra me repetir de novo e de novo e de novo e de novo
essas histórias chatas que eu já não quero
e que vão aos poucos me tirando a vontade toda de procurar
e eu acabo saindo só pra me ocupar com três oito doze
e me faz bem e me afasta dessa memória idiota
de você e seus doze rostos me enganando sem parar
procurando esse seu estúpido não sei o que
que não pode seguir e ir atormentar o próximo que seja
porque a minha vez já passou e você não percebeu
tanto tempo depois que eu só não quero só não ligo
só não me importo com essa sua solidão mentirosa
que precisa dos meus dias das minhas frases da minha vida
pra se satisfazer e continuar me perseguindo
e só adiantaria se o seu jogo fosse só me irritar
porque de resto eu já aprendi e eu já parei de jogar
mas você volta e de novo e de novo pra buscar mais
o que eu nem sei porque eu não tenho nada pra você
eu tenho a minha história e todos os meus olhares
e os sonhos e a vontade e a espera e a procura
e o meu lado
pra quem possa estar comigo e dançar comigo e sorrir comigo
e falar comigo e viver comigo e descobrir
você não vê que têm histórias que eu não quero repetir
e não dá pra você ser uma delas?






Henrique Rochelle

6 de julho de 2011

Pênsil

Na volta eu parei no rio
subi a ponte, olhei a água passando
e eu contava o tempo
pra pensar se você volta
se eu volto
e se ali tinha um lugar pra mim
no meio de todas as suas lembranças
se ali tinha um espaço
quarenta centímetros mais perto
do que você do meu lado.


Deixa a minha mão ali
e eu encontro um lugar confortável
onde eu caiba
assim junto
por cima de mais coisas
do que você queria lembrar
mas eu podia ser uma memória nova
se você ficasse
um pouco mais perto
e esperasse pra ver
que talvez desse lado
a gente fizesse um pouco mais de sentido
e eu achava
que eu podia te encontrar
aqui
então te convido de novo
pra amanhã e as outras noites
pra saber se com o tempo eu te acho
que por aqui a gente se resolve
um pouco mais pra cá
pra eu não ter que te chamar
sem parar
pra vir pra mais perto
pra vir pro meu lado
pra eu não ter que me despedir
e ir pro rio
subir a ponte
e olhar a água toda passando
pra eu não me perguntar
se você voltava
e só esperar
que o dia fosse outro
e que as noites fossem outras
uns quarenta centímetros mais perto
mais grudado
pra saber se fazia sentido
sei la
descobrir assim
quase por acaso de novo
o meu lugar
num lugar diferente dessa ponte
porque a água corre
sem parar
mas alguma coisa
fica.


Fica você também.




Henrique Rochelle