2 de novembro de 2010
28 de outubro de 2010
Quatro Mãos
mas ela secou esperando.
Tem coisas que o tempo machuca
e essa noite era pra ter você.
26 de outubro de 2010
Céu Claro Como se Fosse Cedo e Você Viesse
24 de outubro de 2010
Partir
eu não sabia onde te esperar
se eu ficava pelo meio do quarto
pra ver se você vem
ou se você corre pra me encontrar
sozinho no caminho sem você
que me deixava sempre e cada vez mais
e eu nunca sabia se voltava
eu nunca sabia se seria meu
então eu rasgava as horas e os dias
como se o tempo fosse papel na minha mesa
e eu levava pra cama dois ou três pedidos
e toda a coleção dos seus nãos
que me deixava sem jeito de querer
e eu continua querendo
sem nem entender como
porque você não parava de partir
e eu ficava pra trás
sem nunca chegar em lugar nenhum
porque não tinha você pra me encontrar
porque você não parava de partir
e eu ficava cantando pra você
que não me ouvia e não me abraçava
e sem entender a distância que você me colocava
eu deitava quieto
de coração partido e sonhando com uma mão
que eu nem sabia se era a sua
porque eu não parava de esperar
e você não parava de partir.
30 de setembro de 2010
Desperto
24 de setembro de 2010
Parte
assim
acho que no seu nome
no seu rosto
porque eu não sabia o que falar
e queria fazer mais
parte
disso tudo
com você aqui
pra sei lá
a gente fazer mais sentido
e entender o que a gente
dizia
mesmo quando não era nada
nada importante
e mesmo assim ficava na minha cabeça
porque eu não me acostumei
ainda
com o seu jeito de falar
e com te esperar
sem saber quando você vem
a gente se desencontrando
e eu só querendo
te encontrar
pra acertar alguma coisa
a mais
que faltasse
e não faltar mais nada
no espaço entre nós dois
aqui na minha cama
ou perdidos por ai
porque a noite é enorme
e eu não me incomodo
de não dormir
se for pra ficar
acordado
do seu lado
e eu não sei como
te trazer
me levar
ou te encontrar
meio do caminho ou onde seja
pra poder te dizer
que eu te entendo
mesmo que eu ainda não saiba
como
e que eu quero
demais
fazer parte
mais parte
disso tudo
a maior parte.
Henrique Rochelle
18 de setembro de 2010
Viajando
Passageiro,
queria só pegar a passagem
e partir
destino pra onde fosse
mas o caminho era grande
e tudo parecia mais
longe
com as luzes assim
borrando na velocidade.
Então parou pra olhar
mas era de noite
e tudo estava escuro
demais.
Sem sinal de vida.
Toda a gente dormindo,
muito quieta,
cada um no seu banco.
E do seu lado,
vazio mesmo,
ainda tinha um ombro,
procurando colo
e um sonho pra se ajeitar,
pra se acomodar
no formato do seu corpo.
Porque tinha medo do escuro.
Do caminho e da distância.
Tinha medo de estar sozinho.
E uma vontade
ainda maior
de estar com você.
Sem saber quem era você
mesmo.
Sem saber quem era você
assim, quando já fica de noite
e esfria de repente
e todo mundo por toda parte
já foi dormir
e em silêncio a gente sonha
com uns braços que não conheceu
e espera companhia
pra sonhar junto
porque o caminho é imenso
e a gente sempre pode decidir
descer (juntos)
na próxima estação.
16 de setembro de 2010
Monstros
where the wild things are
they roared their terrible roars
and gnashed their terrible teeth
and rolled their terrible eyes
and showed their terrible claws”
M. Sendak. Where the Wild Things Are
Porque nós éramos novos demais e não sabíamos muito bem as regras do jogo, nem que jogo era mesmo. Então a gente sempre acabava correndo, assim sem direção, e se batendo. Por acaso e de propósito. Pulando em cima, pra agarrar as costas, grudar nos braços, chutar as panturrilhas, derrubar, voar pra cima com o punho fechado, a mão aberta, segurar na cara e morder o pescoço, morder o rosto todo e arrancar um pedaço do lábio. Porque não sabíamos as regras do jogo, nossos beijos eram mordidas. Mas éramos novos. Novos e correndo pela grama e subindo na árvore e nos escondendo no meio do mato, com desculpas esfarrapadas e as bermudas ainda mais. Descalços e suados, de tarde a gente deitava na grama olhando o céu escurecer e brigava mais um pouco. Era instinto. Era natural. Era uma vontade tremenda que a gente ainda não sabia colocar nas palavras. Éramos novos demais. E brincávamos de gente grande no seu quarto com os seus pais dormindo do outro lado do corredor. Eu nem sei como ninguém acordava, porque a gente se batia, se debatia e gritava. Gritava muito. Ou era só na minha cabeça. E em silêncio escorregávamos as mãos pra dentro do pijama pra descobrir como o corpo esquenta diferente. Eu gostava do seu cheiro. E a gente sempre acabava brigando. Brincando de brigar e brigando de verdade. Sempre começava brigando. Por causa dessa vontade enorme e sem jeito de ocupar o mesmo lugar, a gente se empurrava e se batia até que as mãos esbarrassem nos lugares certos e a gente risse, meio sem jeito, meio culpado, e muito com gosto. No campo, no banho, no seu quarto, na minha garagem, na chácara, na piscina e em qualquer lugar que aparecesse. A gente era muito novo pra se importar. Então a gente se batia. De verdade. De deixar roxo. De ir parar no hospital. De enfaixar, engessar e assinar por cima. A gente mordia pra arrancar pedaço. Do que é que a sua tia chamava a gente? Incivilizados... mas depois a gente aprendeu mais regras. Se vestiu melhor e foi descobrir como é tomar vinho e comer em restaurante caro sem fazer ninguém passar vergonha. E a gente já tinha parado de levar quem pudesse passar vergonha. Só nós dois. Pra depois voltar pro apartamento e parecia que nada tinha mudado. Eu te batia forte. Você me jogava na parede. A gente quebrou três camas, tivemos que nos mudar porque os vizinhos reclamavam, mas a gente sabia as regras do jogo. Do nosso jogo. E a gente brincava de brigar e brigava pra brincar. E estava junto. O tempo todo. Rolando no chão e sempre com alguma coisa quebrada. Uma mão, uns pratos, o som da sala. E ai eu quebrei seus CDs. Você quebrou meu computador. Eu rasguei suas roupas. Você me meu um soco e um beijo, disse que me amava, arrebentou a fechadura e foi embora sem levar sua chave. E eu não sabia mais as regras do jogo. A gente esperou. A gente se viu de novo pra separar o que era de quem. Quem ficava com o braço quebrado, quem arrebentava o supercílio, cada hematoma no seu lugar na nossa conversa. Porque a gente nunca tinha aprendido a brincar de outro jeito. A brigar de outro jeito. Mordíamos cada dia mais forte. Acho que pra ver quem agüentava mais. Eu ainda tenho as marcas. Era pra rasgar, mesmo. Sem saber as regras do jogo, fomos mordendo até não sobrar nada. Dos corações. Os dois de corações mordidos. Devorados. Sem assar nem nada. Eu arrancava seu coração com as mãos e comia na sua frente, e era pra ver se te machucava mais. Porque eu não sabia as regras do jogo. A gente nunca soube brincar.
we’ll eat you up – we love you so! ”
M. Sendak. Where the Wild Things Are
29 de agosto de 2010
Caligrafia
Soube então que voltaria a escrever cartas. Era algo de seu. Aquela caligrafia meio torta, forçosa, tentando dizer por entre as palavras que ele era alguém, mesmo que inventado. E lutando contra os remédios, porque já era hora de dormir, meio que duvidava das teclas. Todas tão padrão, todas tão iguais. Ocupou seis dias buscando outras fontes, mas nada ficava com seu jeito, seu toque, seu traço. E queria. Sua marca e só sua, por toda parte de todos os seus escritos que ele nem tinha mais para quem escrever. Dois dias antes, mandara mensagens para todos os outros, ou quase. E quase nenhuma resposta. Mas nenhuma promessa. Mais nenhum consolo pra esperar que quando fosse de dia de novo e ele já não sentisse tão forte o amortecido dos seus comprimidos, ele pudesse passar algum tempo esperando alguma coisa acontecer. Era só mais uma tarde, mais um dia, mais um livro. Queria ler contos, porque precisava urgentemente conseguir acabar histórias uma vez que começadas. Histórias incompletas, já tinha muitas. Amontoando debaixo do lençol. Sim, ele dormia numa cama lotada de memórias. Memórias escritas, memórias estufadas, memórias acolchoadas. Cobrindo, abraçando, rabiscando, e machucando seus olhos, como o zíper na ponta da capa do travesseiro. Escreveu em seu colchão, num ponto escondido. Mas achava que ninguém veria, então sua frase não existia. Por isso mesmo não a escreveu. Já não sabia. Passava das oito, tinha tomado seus remédios. Não estava apto a dirigir, não estava apto a cuidar de crianças, de panelas no fogo, do barulho dos vizinhos. Não estava apto à sua própria vida, que ele ia sentindo assim, amassada sobre o rosto, como uma camada a mais de qualquer coisa que fosse, amortecendo o impacto, o desejo, o sentido e a sua capacidade de andar, de manter as paredes no lugar, de não atravessar vidros, não cair de escadas, não se jogar de cima de um prédio. Desistira das janelas havia muito tempo. Mas agora, de repente, podia se enganar de novo. Subir e tomar uma dose cinqüenta e três vezes maior do que devia e sentir aquilo tudo passando. Tudo passaria, tinha certeza, porque ele mesmo passava, assim, sob o efeito dos remédios. Menos ele e mais quem quer que fosse e ele não sabia, não conhecia. Não tinha desejos compatíveis. Jantaria gelatina, mas quem era ele sem aquela vontade estranha de comer pipocas às duas da manhã? Não era ele, porque ele se deitava todo dia e não se incomodava com a cama estar sem mais ninguém. Era só a cama. Era só o fim do dia. E por dentro, escurecendo e dominando o mundo, ele sentia seu estômago prestes a explodir. Preto. Vomitaria em nanquim todos os versos que já escrevera, que engolira, que esperara, que guardara para aquele alguém que merecesse e que nunca chegou. Ninguém voltaria pro seu quarto. Ninguém o encontraria ali, morto no terraço, uma poça de nanquim, se esforçando ao máximo para ter a sua caligrafia de volta. Soube então que não voltaria a escrever cartas. Não havia mais destinatários. Não havia remetente.